Pode parecer complicado para o Veterinário diagnosticar os cães com Hipotireoidismo pelo fato de ser uma doença que apresenta diversos sinais inespecíficos. Vale a pena lembrar que acomete geralmente cães de meia idade de raças puras e raramente gatos. Dentre as raças mais acometidas estão Setter Irlândes, Chow-Chow, Dobermam Pinscher, Golden Retriever, Shar pei, Schnauzer, Airadale Terrier e Afghan Hound. Com relação a sua descoberta somente em 1950 foram diagnosticados os primeiros cães com Hipotireoidismo e somente em 1979 o primeiro felino. Portanto é de concluir que é uma patologia descoberta recentemente, porém não significa que não existia antes.
O que é a tireóide e qual sua função no organismo?
Bom a tireoide é fisiologicamente uma glândula que se localiza na porção caudal da traquéia, possui dois lobos unidos por uma porção estreita chamada de istmo. A tireóide secreta os hormônios tireoidianos (T4 e T3) e também calcitonina, pois possuem as células foliculares e as parafoliculares ou células C. Para o organismo sintetizar o T4 e T3 necessita da ingestão diária de IODO. O cão necessita diariamente de 15 microgramas por kilo de peso corpóreo por dia e o gato de 100 microgramas por kllo corpóreo. Vale ressaltar que a fonte são os alimentos e para os animais uma ração balanceada é o suficiente. Para os que comercializam filhotes vale ressaltar que suas matrizes (fêmeas) necessitam de 4 vezes mais iodo que uma fêmea não prenhe.
A função dos hormônios tireoideanos são diversas porém de uma forma geral eles estimulam o aumento do metabolismo, portanto são catabólicos em altas concentrações, e permitem o estímulo do crescimento em jovens. Eles agem em quase todos os tecidos do organismo e como mencionado acima aumentam o metabolismo porque se eleva o consumo de oxigênio pelas mitocôndrias, aumento do consumo de ATP (forma de energia) porque a bomba de sódio e potássio aumenta sua atividade, estimulam o transporte de aminoácidos, entre outros efeitos.
Mas quais efeitos os hormônios tireoideanos causam no organismo?
Vamos dividir por partes pois como dito acima atuam em diversos tecidos, vias metabólicas e órgãos.
EfeIto sobre metabolismo de lipídios e carboidratos : Aumentam todas as etapas do metabolismo, aumentam a captação de glicose pelas células, glicólise, gliconeogênese, velocidade de absorção da glicose pelo trato digestivo, aumentam a mobilização do tecido adiposo e dessa forma aumentando sues níveis plasmáticos livres, aumentam a oxidação de ácidos graxos provocando hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia.
Efeito sobre crescimento e maturação: Como dito os hormônios tireoidianos aumentam o crescimento, principalmente em jovens, por promoverem junto com o hormônio do crescimento (GH) e a insulina a síntese de proteínas, desenvolvimento do SNC e dos ossos. Vale ressaltar que o excesso deste hormônio causa a quebra e não a síntese de proteína.
Efeitos de termorregulação e calorigênese: Por aumentarem o .consumo de oxigênio e a produção de energia pelas mitocôndrias geram aumento de calor. Sendo assim no hipotireoidismo um sinal comum é a hipotermia pela diminuição do metabolismo basal em até 45%.
Efeitos Cardiovasculares: Os hormônios tireoidianos induzem a produção de miosina que aumenta a contratilidade dos músculos cardíacos, aumentam receptores B adrenérgicos estimulando a um aumento do volume sanguíneo e atividade elétrica gerando em excesso uma hipertrofia cardíaca e arritmias. Fisiologicamente atuam aumentando o rendimento cardíaco por aumento de contratilidade e frequência cardíaca.
Efeitos Gastrointestinais: Estimulam o apetite, ingestão de alimentos, secreção de enzimas digestivas e motilidade intestinal.
Efeitos Neuromusculares: Desenvolvimento do SNC em jovens. Porém em excesso causam nervosismo e hiperexcitabilidade e na sua falta o contrário como letargia, prostração, e intolerância ao exercício porque a sua falta atua sobre o coração, respiração e musculatura.
Efeitos Endócrinos: Aumentam a secreção da maioria dos hormônios como PTH (paratormônio) e ACTH (adrenocorticotrófico).
Efeitos reprodutivos: Fisiologicamente atuam estimulando a produção de prolactina, FSH e LH nas fêmeas. Porém sua falta causa aborto em fêmeas pela diminuição da progesterona e corpo lúteo. Os sinais no Hipotireoidismo para fêmeas incluem galactorreia, ginecomastia, anestro, cio irregular, infertilidade e aborto. Já em machos ausência de libido, atrofia testicular e infertilidade.
Efeitos dermatológicos: Participam estimulando o ciclo de crescimento dos pêlos e regulação de glicosaminoglicanos da pele. Na ausência ou na falta (Hipotireoidismo) causam alopecia, pele espessada, fria, edemaciada podendo levar a seborreia e piodermite secundária.
Efeitos hematológicos: Estimulam a produção de eritropoetina que age sobre a produção de hemácias na medula óssea. A sua falta (Hipotireoidismo) consequentemente gera anemia normocítica normocrômica.
Mas enfim o que é, quais são o sinais, diagnóstico e tratamento do Hipotireoidismo?
Vamos lá o Hipotireoidismo é definido como a hipofunção da glândula tireóide que resulta em baixas concentrações plasmáticas de T4 e T3 seus hormônios metabolicamente ativos, sendo que apenas o T3 é realmente assimilado pela célula, pois T4 precisa ser convertido em T3. Existem três tipos de Hipotireoidismo no cão. O primeiro é denominado primário ou linfocítico e em geral é o que mais acomete os cães. Este tipo é causado por uma doença imunomediada, pois o organismo produz anticorpos antitireoglobulina que atacam a glândula tireoide causando tireoidite linfocítica ou atrofia.Já o segundo é denominado Hipotireoidismo secundário que é causado por um problema na glândula Hipófise, é uma pequena glândula com cerca de 1 cm de diâmetro. Aloja-se na sela túrcica ou fossa hipofisária do osso esfenóide na base do cérebro.,que produz TSH, e por sua vez estimula a tireóide a ‘’trabalhar’’ ou seja secretar hormônios. E por fim o terciário que ocorre por falha no eixo hipotálamo-hipófise, geralmente causado por um tumor no Hipotálamo, gerando uma diminuição do TRH e por consequência de TSH que culmina nas baixas concentrações de T4 e T3 pela tireóide. Vale ressaltar que o prognóstico de Hipotireoidismo Secundário e Terciários são bem reservados e a expectativa de vida do cão é bem reduzida.
Independente do tipo de Hipotireoidismo os sinais clínicos são parecidos pois todos levam a diminuição das concentrações T4 e T3 plasmáticos. São sinais inespecíficos e não aparecem todos de uma vez, apenas proprietários atentos vão observar de forma gradativa os sinais. De forma geral os mais comuns são alterações no SNC, como demência, letargia e intolerância a exercício associados a problemas dermatológicos como alopecia e seborreia e ganho de peso sem aumento do consumo de alimento. Porém como citado acima sobre os efeitos dos hormônios tireoidianos no organismo podem acontecer, porém com menos frequência, alterações cardiovasculares, reprodutivas, gastrointestinais e distúrbios oculares.
O diagnóstico não é fácil, porém o bom clínico atento aos sinais clínicos e aos exames laboratoriais não terá dificuldade em chegar a um veredito. Os testes laboratoriais recomendados são dosar a concentração de T4 livre , concentração de TSH e anti tireoglobulina ou anti-TG. Valores de T4 dentro da variação de referência não exclui hipotireoidismo. Em geral valor de T4 abaixo da variação com histórico compatível e sinais clínicos já confirma o Hipotireoidismo. Nenhum teste adicional é necessário.
Porém nem tudo é simples outras variáveis alteram valores de T4 e podem induzir a falsos positivos como: 1. Flutuação aleatória (valores de T4 podem estar abaixo do normal em 20% das vezes em cães normais), 2. Síndrome do eutireóideo doente. 3. Fármacos como fenobarbital o famoso Gardenal, corticóides, entre outros alteram esse valor. 4. Anticorpos anti T4 podem reagir de forma cruzada.
Pode ser feito um Ultrassom cervical e ficar atento a atrofia da glândula tireóide, porém não é necessário sendo testes laboratoriais os de escolha.
Com relação ao tratamento é bem simples, como ocorre a falta de T4 e T3 ou a diminuição da concentração é indicado repor com hormônio sintético. O mais usado é a Levotiroxina sintética que normaliza as concentrações plasmáticas do hormônio e promove uma vida normal ao cão. O tratamento de distúrbios secundários ao hipotireoidismo como alopecia, seborréia entre outros também é indicado no começo, porém tende a se normalizar assim que o tratamento com hormônios sintéticos é iniciado.
Infelizmente o tratamento na maioria das vezes é por toda a vida. A dose recomendada é de 0,01 a 0,04 mg/kg a cada 12 ou 24 horas.
Bibliografia consultada:
BARROS, Ciro Moraes; STASI, Luiz Claudio di. Farmacologia Veterinária. Barueri: Manole, 2012.
MACINTIRE, Douglass K. et al. Emergências e cuidados intensivos em Pequenos Animais. Barueri: Manole, 2007
LEAL, Karine Machioro. Hipotireoidismo em Cães. 2014. 39 f. TCC (Graduação) - Curso de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/…/hand…/10183/106588/000944391.pdf…>. Acesso em: 27 nov. 2016
Escrito por Adriano A. Martins
- Estudante de Graduação de Medicina Veterinária.→